As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Viajando pelo século XIX com Debret

Uma característica muito comum às pessoas de um modo geral é a curiosidade sobre viagens que nossos amigos e conhecidos realizam e nisso, a presença das imagens é inevitável e em nosso caso, máquinas digitais multiplicam aos milhões a quantidade de imagens que podemos produzir, especialmente pelo fato de não custar nada e se for o caso, podemos selecionar algumas e mandando revelar em papel fotográfico para a organização de um álbum mais tradicional, ou então, a pós-modernidade somada às novas tecnologias nos permitem a formulação de "espaços virtuais" de exposição: sites de relacionamento, murais, blogs e uma miríade de possibilidades.

Mas, como seria no século XIX?

Um gênero muito caro aos amantes da história e das ciências humanas de modo geral foi o relato de viajantes: crônicas que buscavam por no papel aquilo que era mais rico e despertava interesse, especialmente, o exótico, ou seja, aquilo que estava distante de nossos olhos e o viajante possibilitava com seu olhar atento, aproximar o leitor de seu diário de bordo, de suas crônicas ou cartas e assim, "viajar virtualmente" para terras distantes e conhecer suas paisagens e povos tão diversos.

Dentro deste referencial podemos colocar o artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) que viveu um período significativo aqui no Brasil, chegando em virtude da Restauração Bourbon que reconduziu Luís XVIII ao trono francês depois da derrota final de Napoleão em 1815 e assim, de 1816 a 1831, Debret esteve neste "país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza..." como cantaria Jorge Benjor.

O papel de Debret para a construção do imaginário brasileiro é primordial, seja em sua época ou nos anos posteriores. Nós, desde a mais tenra idade, tivemos contato com obras de Debret reproduzidas em nossos livros didáticos, mostrando cenas do cotidiano (pessoas e costumes), paisagens (urbanas e rurais) além de personalidades anônimas ou não, como as representações da Família Real (1816-1822) e do I Reinado (1822-1831).

Dentre suas principais referências, podemos citar todo o protocolo e cenografia para as coroações de D.João VI, coroado em 1816, depois da morte de sua mãe D.Maria I, a rainha louca afastada do governo desde 1792 e assim, o Príncipe Regente assumiu "de fato e de direito" o trono do Império português, sendo o primeiro monarca luso a ser coroado fora de Portugal. Com a independência, Debret colaborou para a elaboração da coroação do Imperdaor e Defensor Perpétuo do Brasil, D. Pedro I, seja pela concepção da coroa imperial, da simbologia a ser adotada a partir dali e da própria bandeira imperial:
O verde que provém da Casa de Bragança, a dinastia real portuguesa (1640-1910), afinal, D. Pedro I era filho de D. João VI, herdeiro portanto da coroa lusa, vindo com a morte do pai se tornar o D.Pedro IV de Portugal, que logo abdicou em favor de sua filha mais velha, a futura D.Maria II, a qual foi posta sob a regência de seu tio, D.Miguel e este iniciou uma longa crise política, ao usurpar o trono da sobrinha, tomando a Coroa para si, e com certeza, colaborou com isso em muito para a instabilidade do reinado do irmão neste lado do oceano.

D.Pedro acabou abdicando o trono do Brasil em favor de seu filho Pedro de Alcântara, de apenas 5 anos de idade para partir em 1831 para lutar pela herança de sua primogênita, fazendo com que Portugal caísse numa dificil guerra civil que só se concluiu em 1834, com a derrota e exílio de D.Miguel na Alemanha e a recuperação do trono para D.Maria II.

O amarelo é oriundo da Casa de Habsburgo, dinastia austríaca que entregou a mão da arquiduquesa e princesa Leopoldina de Habsburgo-Lorena para ser a esposa do Príncipe herdeiro em 1817, depois tornou a Imperatriz do Brasil. Em sua comitiva vieram artistas e letrados, como por exemplo, o pintor Johann Moritz Rugendas (1802-1858), outro nome responsável pela elaboração de inúmeras imagem do Brasil Imperial.

Ao centro do losango amarelo temos o brasão imperial: um escudo verde, coberto pela coroa imperial e ladeado por duas ramagens que representavam a riqueza da terra (café e o tabaco) e ao centro do escudo a Cruz da Ordem de Cristo (ordem de cavalaria criada em Portugal pelo rei D. Dinis I, que absorveu os templários portugueses a partir de 1321), cujo Grão-Mestre era o rei de Portugal e seus herdeiros.
Sobre a Cruz está a "esfera armilar", símbolo do mundo, presente na bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822) que foi mantido, mostrando o vínculo da Casa Imperial com a realeza portuguesa.

Além de atender as demandas da Casa Imperial brasileira, Debret fez parte do grupo de pintores oriundos da França (Missão Francesa) que ajudaram a fundar a Academial Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro que a partir de 1826, começou a formar artistas de acordo com so princípios da produção acadêmica europeia, habilitando a Corte joanina com um amplo repertório de pintores e escultores.

Mas voltando a Debret, seu trabalhou foi posteriomente editado na França em  1834 na edição de Firmin Didot: três volumes da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, que com inúmeras imagens e textos, buscava segundo o próprio Debret, uma visualização discritiva do " caráter e dos hábitos brasílicos".

Para a nossa sorte, há uma importante exposição "Debret, Viagem ao sul do Brasil" na Caixa Cultural São Paulo (Avenida Paulista, 2083 - Conjunto Nacional) que começou em 04/05 e vai até 19/06/2011. Maiores informações: www.caixa.gov.br/caixacultural

O repertório da exposição são cerca de 60 aquarelas que fazem parte da coleção Castro Maya (1894-1968) que buscou mundo afora adquirir e assim, "repatriar" as imagens que se encontravam fora do Brasil, resgatando um pouco de nossa história. Coloco abaixo, alguns exemplos para servir de "aperitivo", pois na condição de reprodução, não superam a riqueza da observação ao vivo da obra original.


 Uma cena de caça: a cidade ao fundo, cercada pelo universo rural que se encontra no primeiro plano e assim, vemos o caçador com a arma em punho, acompanhado de seu cão e de seu escravo, que carrega as preciosas presas, enquanto um outro montado à cavalo fica esperando. Os chapéus de abas largas para proteger do sol, as pesadas capas e botas dos senhores contrastam com a crueza dos pés descalsos do escravo, uma marca patente de sua condição.
A paisagem se coloca em larga variedade com árvores, arbustos, ramagens e relvas de variada disposição, ocupando a grande parte do espaço da imagem, sendo os personagens acima citados, um detalhe em movimento ao meio de tamanha estaticidade, seja do mato, seja da cidade, sonolenta e pacata ao fundo.




A cidade vista do mar, especialmente, do convés do navio, tendo a moldura do céu e das montanhas, destacanso-se alguns barcos próximos do cais, o casario aglomerado e a igreja matriz como referência principal, ocupando o alto da pequena colina.



Mais uma vez, a relação senhorial se manifesta no cotidiano, onde o escravo carrega ou descarrega as mercadorias de seu senhor, um tropeiro que aparentemente se prepara para uma nova viagem ou para um descanso, depois da chegada. A dúvida se faz tanto pelo fato do tropeiro trazer nas mãos as esporas e capa, quanto pelo fato dos burros atrás do muro estarem presos no curral, impossibilitando identificar se estão atrelados para sair ou sendo postos em descanso.
Aliás, descansando está o homem de chapelão, acocorado no canto, enquanto a cena de trabalho braçal ali é exercida pelo escravo, sob às vistas de seu dono.

Ficou curioso? Debret está lhe esperando na Avenida Paulista!!

Um comentário:

  1. E nós que nos acostumamos a apender que o verde é o esplendor das nossas matas, e que o amarelo é o ouro do nosso subsolo!Décio

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