As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

sábado, 23 de fevereiro de 2013

A renúncia de Bento XVI: o que esperar?

No dia 11 de fevereiro eu estava passeando em Liège, cidade da Bélgica, próxima da fronteira com a Alemanha. Fazia um frio considerável de 2ºC, com vento cortante e uma chuva terrivelmente insistente, que ora oscilava para a neve e ora para a chuva.

Fora as peculiaridades de um dia típico do inverno europeu, uma coisa muito particular chamou minha atenção: num dado momento da manhã, creio que era algo entre 10 e 11h, ouvi várias igrejas tocando seus sinos, mas não era um "toque de festa" ou de "chamada para a missa", como pensei num primeiro momento, pois ali naquela região, a população católica era maior, mas como era uma véspera de Carnaval, a dúvida continuou incomodando.

Bem, ao passar por um café um pouco mais tarde, tive a resposta: ali, enquanto saboreava um chocolate quente, ouvia a rádio local informar que o papa Bento XVI iria renunciar ao Trono de São Pedro às 20:00 do dia 28 de fevereiro, alegando que o peso da idade e a falta de vigor não lhe permitiam continuar sua "divina missão".

Amanhã, 24/02, será a sua última benção "Urbi et Orbi" (para a cidade de Roma e o mundo), onde se esperam alguns milhares de pessoas compareçam em massa para ouvi-lo. Porém, fica a inquietação:
seriam somente os dissabores da idade que lhe pesavam? Ou então, as forças políticas que se articulam dentro de uma instituição milenar e que, Josef Ratzinger conhece muito bem, há várias décadas?


Sua eleição em 19 de abril de 2005 foi um sinal particular: um longevo papado se encerrava com a morte de João Paulo II (1979-2005) e os cardeais precisavam de um tempo para traçar as direções futuras, como num tabuleiro de xadrez, a necessidade de se antecipar as jogadas do adversário. Ao elegerem o decano do Colégio de Cardeais e até então Prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé (nome atual da antiga Inquisição), a opção foi pelo continuísmo, dado ao alinhamento de Ratzinger com João Paulo II e ao mesmo tempo, por um “papado de transição”, já que o eleito naquela altura tinha 77 anos. Portanto, a ampulheta tinha sido virada...

Confesso que, ao receber a notícia da escolha, não me senti tomado de profunda alegria, afinal, Ratzinger representava a manutenção de um conservadorismo rigoroso que, por exemplo, perseguiu as correntes progressistas na Igreja, como foi o caso da Teologia da Libertação, criticada e silenciada por sua movimentação política associada ao marxismo, que na visão de João Paulo II e de seu fiel seguidor, o então cardeal Ratzinger, a representação do “mal sobre a terra”.

Não foram poucas as polêmicas que Bento XVI se envolveu, mas pairava sobre ele uma sombra desagradável: a suspeita de uma possível negligência enquanto Prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé na investigação e punição de religiosos católicos envolvidos com casos de abuso sexual em diferentes lugares do mundo.

Na condição de papa, obrigou-se a não só fazer um pedido público de perdão, gesto de certa sensibilidade, mas que não apaga o mal causado, além de se posicionar duramente, pela primeira vez, ao estabelecer o afastamento e investigação de acusados de abusos, que seriam expulsos pela conduta inadequada e as autoridades da Igreja deveriam colaborar com a justiça laica para que as investigações tivessem resultado.
Vide link: http://www.vatican.va/resources/resources_norme_po.html 

No entanto, o que se espera de seu sucessor? 

Há esperança do cumprimento das propostas de renovação do Concílio Vaticano II (1963-65), tornando a organização da Igreja mais colegiada e menos centralizadora, com espaços para as diferentes correntes, mas sem perder o seu principal foco: a difusão da mensagem de Paz e Amor entre os homens, que infelizmente, tem ficado esquecida, e em seu lugar, lutas pelo poder e um sentimento de fé que vai se esvaindo cada vez com a defesa de pontos de vista que mais excluem do que agregam e nisso, há muito ainda por se fazer, pois a desigualdade, os abusos de poder, a ameaça a liberdade, a miséria e as injustiças ainda atingem milhões.

Que a próxima fumaça branca, vinda da Capela Sistina, seja de fato portadora de boas novas para todos aqueles que seguem os passos e as palavras do Nazareno.



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