As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Bizâncio e o Islã - o Oriente como protagonista

BIZÂNCIO

Com a decadência do Império Romano do Ocidente, Constantinopla permaneceu como último reduto da cultura romana. Construída sobre a colônia grega chamada de Bizâncio, localizada em uma posição estratégica, entre a Ásia e a Europa, próxima aos estreitos de Bósforo e Dardanelos, essa cidade dominava as rotas marítimas entre o Mar Egeu e o Mar Negro, bem como as rotas terrestres daquela região. Foi esse conjunto de fatores que incentivou o imperador romano Constantino a reforma-la em 330, rebatizando-a e depois se tornou a capital do Império Oriental: “a Roma do Oriente”.
A proximidade com a Grécia fez que Constantinopla recebesse forte influência da cultura helenística, tornando o grego sua segunda língua. Ao longo dos séculos V e VI, a cidade foi um movimentado entreposto comercial de lã, linho, seda, objetos de cobre, ouro e prata vindos da África, Pérsia, China e Índia, conferindo a Constantinopla o cognome de “Porta do Oriente” ou "Porta Dourada".
As principais atividades econômicas eram: comércio, devido à localização geográfica, ponto de convergência de várias rotas de comércio e agricultura, praticada com o trabalho escravo, mas também com a produção de pequenos proprietários livres. Apesar de existir a possibilidade de tais atividades serem desenvolvidas por particulares, toda a economia era fortemente controlada pelo Estado, dando a esse setor uma característica marcadamente intervencionista.

Justiniano, coroado ao centro, acompanhado do bispo Maximianus.
Mosaico do séc. VI, Basílica de San Vitale, Ravena Itália.
Fonte: Wikipédia


Sob o governo de Justiniano (527-565), o Império Bizantino viveu a sua fase mais grandiosa. Ele estabeleceu a paz com o Império Persa e procurou reconstruir o antigo Império Romano do Ocidente, retomando as terras que estavam nas mãos dos bárbaros germânicos.
No plano interno, Justiniano mandou construir hospitais, novos muros para aumentar a segurança da cidade, e numerosas igrejas, dentre as quais se destaca Hagia Sophia, que significa Divina Sabedoria em grego, uma das  marcas da arquitetura e da arte bizantina.

Outras questões, estas de caráter religioso, movimentaram a população bizantina, que se envolvia em profundos debates entre os membros do clero oriental. As mais famosas foram o monofosismo (crença apenas na natureza divina de Cristo, negando sua natureza humana) que foi combatida e definitivamente negada com o concílio de Calcedônia em 451, quando foi estabelecido que Jesus é detentor das duas naturezas (divina e humana) e a questão iconoclasta, que abertamente defendia a destruição de imagens, provocando vários conflitos que destruíram templos e também provocaram muitas mortes e somente no II Concílio de Nicéia em 787 a resolução definitiva foi tomada: as imagens seriam utilizadas em caráter pedagógico e doutrinal, assumindo a dimensão de “Bíblia dos Pobres”, pois o importante é a mensagem que trazem e não o objeto religioso em si, mas isso não evitou que muitos fiéis se comportassem como idólatras ou preservassem superstições que vinham das tradições pagãs.

Também por ordem de Justiniano, os juristas bizantinos compilaram toda a legislação romana, bem como toda a jurisprudência dos seus tribunais em uma obra que ficou conhecida como Corpus Juris Civilis (Corpo do Direito Civil) ou Código Justiniano.
Com o crescimento do cristianismo, as igrejas das grandes cidades passaram a organizar-se em torno de um padre denominado Bispo. Com o passar do tempo, estes bispos começaram a estender seu poder muito além dos limites de suas cidades, rivalizando-se. Por volta do século V, os bispos de Jerusalém, Alexandria, Antioquia, Constantinopla e Roma firmaram-se como os mais poderosos entre os cristãos.
Outro grande feito de Justiniano foi a tentativa de reconquistar o Império do Ocidente, recuperando o litoral do norte da África, a península Itálica e a porção sul da península Ibérica. Justiniano também conseguiu conter os ataques na porção oriental do império, principalmente, dos persas sassânidas e dos búlgaros nos Balcãs.

A sustentação deste império, no entanto, foi mantida através de um grande exército e de uma extensa burocracia, sendo ambos sustentados pelos inúmeros impostos pagos pela população.
Por volta do século VII, com o advento do Império Islâmico, as cidades de Jerusalém, Alexandria e Antioquia foram dominadas pelos muçulmanos. O mundo cristão viu-se ameaçado e, como campos sólidos dessa religião, restaram tão somente os bispos de Constantinopla e Roma. Entretanto, a figura do papa incomodava os imperadores bizantinos, que se sentiam coagidos pelo líder cristão. Crescia, então, a força do cesaropapismo, ou seja, a submissão da Igreja ao Estado.

As divergências teológicas e doutrinais, a influência da cultura grega e a pressão exercida pelo poder imperial bizantino prolongaram os conflitos entre Roma e Constantinopla, os quais continuaram até 1054, quando ocorreu o Cisma do Oriente, que acabou dividindo o cristianismo da seguinte forma:

  • Igreja Católica Apostólica Romana - sob a hegemonia do Bispo de Roma, que assumiu os títulos de Papa e Sumo Pontífice, dominando a Europa Ocidental.
  • Igreja Católica Apostólica Ortodoxa  - sob a hegemonia do Bispo de Constantinopla, que assumiu o título de Patriarca , porém era claramente sem autonomia e submisso ao imperador.


O Auge sob Justiniano - Fonte: Wikipédia


Os muros da cidade garantiram a paz e a prosperidade durante um longo período. Mas os sucessores de Justiniano sequer tentaram assemelhar-se ao grande imperador, permitindo avanços de povos estrangeiros, fazendo com que no século XII, o Império tivesse menos da metade do seu período de expansão no séc. VI. Os muçulmanos, árabes de um lado e turcos de outro,  conquistaram grande parte dos territórios pertencentes ao Império Romano do Oriente. As Cruzadas conclamadas por Roma deveriam "ajudar" os irmãos cristãos do Oriente, não promoveram a recuperação de espaço e poder esperados, aliás, foram até contrárias, como o caso da IV Cruzada, que patrocinada por Veneza, invadiu e saqueou Constantinopla, impondo um período de dominação latina (governo favorável aos interesses venezianos) no Império Oriental (1204-1261). 

A longa agonia - Fonte: Wikipédia


Apesar da retomada do Império por Miguel VII Paleólogo, descendente da dinastia destronada pelos Cruzados, o vigor e força não voltaram a Constantinopla, que lentamente se enfraqueceu até sua queda definitiva em 1453, quando a "Roma do Oriente" foi invadida pelos turcos otomanos, liderados pelo sultão Mehmet II. Sob domínio muçulmano, a cidade de Constantinopla passou a chamar-se Istambul, capital do Império Turco.

A queda de Constantinopla - Fausto Zanaro, Istambul - Fonte: Wikipédia



Nesse momento de tensão, vários estudiosos da cultura clássica (greco-romana) abandonaram a capital bizantina. Muitos deles dirigiram-se para o Ocidente, na busca de refúgio. Um dos locais escolhidos foi a Península Itálica, onde a cultura da Antiguidade seria relida séculos depois, na forma de movimento renascentista.
            
O ISLÃ

Maomé em ascensão glorificado pelos anjos. Miniatura turca, c. 1539-43, British Library, Londres, Reino Unido da Grã-Bretanha. Fonte: Wikipédia.


O Islamismo surgiu primeiramente entre os árabes que habitavam a atual Arábia Saudita. Antes do advento de Maomé, esse povo vivia em tribos nômades, governadas por um patriarca, vagando de oásis em oásis conduzindo rebanhos de ovelhas e cabras. Eram politeístas e idólatras, e cada tribo adorava vários deuses e objetos sagrados.
A fome e as guerras por disputas políticas ou por motivos religiosos eram constantes. A expectativa de vida era bastante baixa e a poligamia surgia como forma de compensar os homens mortos nas guerras.
Em meio a essa realidade, nasceu Maomé, na cidade de Meca, no ano 570. Este homem trabalhou como caravaneiro, e tal atividade lhe permitiu conhecer a cidade de Jerusalém, onde entrou em contato com cristãos e judeus.
Quando tinha cerca de 40 anos, Maomé afirmou ter tido uma visão, na qual o anjo Gabriel, mensageiro de Allah, lhe transmitira as bases da religião islâmica. Os homens deveriam abandonar os cultos idólatras e reconhecer que Allah era o único e verdadeiro deus.
Tal proposta não foi bem aceita inicialmente. Em 622, Maomé foi perseguido pelos comerciantes da cidade de Meca, que temiam perder os lucros obtidos com as vendas de artigos ligados às religiões pagãs. O pregador foi obrigado a fugir para a cidade de Yatrib, que, posteriormente, recebeu o nome de Medina (Madina al Nabi) - “cidade do profeta”.
A fuga de Maomé de Meca para Medina passou posteriormente a ser o marco inicial do calendário muçulmano, recebendo o nome de Hégira. Em Medina, Maomé conseguiu reunir grande número de seguidores que poderiam formar uma espécie de exército com profundas motivações religiosas. As tropas comandadas pelo novo profeta invadiram a cidade de Meca, destruindo todos os símbolos pagãos, poupando apenas a Caaba (uma pedra negra que, segundo a lenda, fora enviada por Deus aos homens). Todos os que se opuseram à nova religião foram mortos.

Página do Alcorão, c. séc. XII, Al-Andaluz - Fonte: Wikipédia


Maomé reuniu os princípios de sua religião em um livro sagrado, denominado Alcorão. Nele, estão os Cinco Pilares do Islã:

  • Crença em Allah
  • Oração: cinco vezes ao dia, com a face voltada para Meca;
  • Purificação: jejuar durante o mês do Ramadã;
  • Caridade: ajudar aos pobres;
  • Peregrinação: visitar a cidade de Meca pelo menos uma vez na vida.


A expansão árabe: época de Maomé 622-32(em marrom); seguidores de Maomé 632-661(em laranja) e 661-750 (em amarelo). Fonte: Wikipédia


Existem outros costumes que também são observados pelos seguidores do Islã, como por exemplo, abster-se de álcool e de carne de porco.
O Islã tem entre seus conceitos importantes a Jihad, palavra árabe que significa “esforço, empenho” em relação à palavra de Allah, podendo no entanto, se converter numa ação militar de caráter defensivo ou ofensivo, dependendo do contexto e nesse caso, ganha a dimensão de “Guerra Santa”.
Aqueles que morressem na Guerra Santa teriam todos os seus pecados perdoados e direito ao Paraíso, onde haveria fartura de comida, bebida e mulheres. O fanatismo resultante dessa pregação levou os muçulmanos a conquistar um imenso império, tomando todo o Império Persa, bem como o Egito, a Palestina e a Síria, que estavam sob o domínio Bizantino.
De 661 a 750, os muçulmanos foram governados pela Dinastia Omíada, que transferiu sua capital para Damasco, na Síria. Essa dinastia conquistou a Índia, o norte da África e a Península Ibérica. Tentou tomar também a Gália, em poder do Reino dos Francos, mas foram derrotados na Batalha de Poitiers (732), sendo obrigados a recuar.
A Dinastia Abássida (750 - 1258) não conseguiu manter a unidade dos islâmicos e assistiu à fragmentação do Império em numerosos Califados independentes. Também nessa época, os abássidas sofreram novas derrotas, como as invasões mongóis e turcas a leste e a vitória dos cristãos na Guerra da Reconquista da Península Ibérica.

Assim como qualquer outra religião, o islamismo não suportou o próprio crescimento, o que provocou a divisão entre os seguidores. Existem dois grupos que dividem o islamismo mundialmente:

·       Sunitas: surgiram após a morte de Maomé. Além de seguirem os ensinamentos de Alcorão, aceitam os ensinamentos contidos no Suna (significa costume), espécie de biografia de Maomé, que mescla eventos da vida do Profeta aos costumes do povo árabe. Defendem a separação entre o poder laico e o religioso. Para eles, os chefes de Estado não precisam ser sacerdotes, considerados infalíveis, mas reunir sólidas virtudes. Representam a grande maioria dos muçulmanos até hoje.
·       Xiitas: acreditam que os chefes de Estado deveriam ser da linhagem de Maomé, isto é, descendentes de Fátima (filha de Maomé) e de Ali (genro). Portanto, a palavra xiita significa shi’ at’ Ali: partidários de Ali. O governante deve ser também um guia espiritual (imã). Para os xiitas, o Corão é a única fonte de ensinamento da verdade.

Nos povos islâmicos, a grande atividade econômica era o comércio, já bastante característico das populações de origem árabe. Porém, também as manufaturas e a agricultura tiveram extraordinário desenvolvimento .
A influência árabe foi marcante dentro da Europa Ocidental em virtude da grande sofisticação desta civilização, responsável pela introdução do cultivo da cana-de-açúcar, laranja, algodão e arroz; pelas técnicas de fabricação do vidro e do aço ( técnica vinda de Damasco e instalada na cidade de Toledo).
Do ponto de vista intelectual, os árabes tinham profundos conhecimentos em Medicina, Física, Astronomia, Matemática (desenvolvimento da aritmética e utilização dos algarismos hindus, depois denominados arábicos) e Química. Ademais, os árabes já possuíam várias universidades, destacando-se nas cidades de Bagdá, Cairo, Isfahan e Córdoba e podiam estudar Medicina, Teologia, Direito, Matemática e Filosofia.

"Fonte dos Doze Leões, séc. XIV,  pátio do Palácio Alhambra, Granada, Espanha.
Crédito: Elias Feitosa

Na cultura, os árabes desenvolveram grandes conhecimentos em matemática, astronomia, medicina (destacando-se o persa Ibn Sina, conhecido no Ocidente como Avicena) e filosofia, com o médico e filósofo Ibn Roshd (Averróes), tradutor e comentarista de Aristóteles. Na literatura, destacam-se obras conhecidíssimas até hoje, como As Mil e Uma Noites , tradição oral, posteriormente registrada em vários manuscritos e Rubayat, versos do poeta persa Omar Khayan.

A escultura e a pintura figurativas receberam pouca atenção, uma vez que eram interpretadas como produção de caráter idólatra. Em relação a escultura e arquitetura, os árabes construíram mesquitas grandiosas(como a  de Córdova), ricamente decoradas, utilizando a técnica dos arabescos(cúpulas e rendilhados esculpidos em pedra) e faianças, como também de palácios, destacando-se o Palácio Alhambra em Granada. Percebemos que a tradição figurativa não teve um grande desenvolvimento na cultura islâmica em virtude da condenação às imagens existentes no Islã, sendo predominante a utilização de motivos geométricos ou abstratos, associados à caligrafia árabe, denominados como arabescos.


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