As Ricas Horas do Duque de Berry

As Ricas Horas do Duque de Berry
As Ricas Horas do Duque de Berry. Produção dos irmãos Limbourg - séc. XV. Mês de julho

domingo, 12 de março de 2017

A legitimidade das Ciências Humanas


"Édipo e a Esfinge" - Jean-Auguste-Dominique Ingres, c. 1827, Museu do Louvre, Paris, França.
Fonte: Wikipédia

A escolha desta famosa interpretação de Ingres sobre o mítico Édipo foi bastante intencional e oportuna: estamos numa encruzilhada e a Educação se constitui um enigma complexo, em especial, pelos interesses ameaçadores dos seguimentos conservadores no Executivo e Legislativo que parecem tentar "devorar" a soberania e a democracia no Brasil.
A sociedade brasileira atravessa um momento bastante complicado e no caso, eu não estou me referindo à economia. Minha referência é a crescente deslegitimação que as Ciências Humanas vêm sofrendo: carga horária reduzida, tentativas de exclusão do currículo do Ensino Médio, falsas acusações de doutrinação ideológica com viés marxista, fora os cortes de verbas para pesquisa, contratação de professores e compra de recursos nas Universidades. 
Por outro lado, aparece um discurso autoritário e conservador que busca um "ensino imparcial" como pregam os defensores do projeto "Escola Sem Partido", mas na verdade, trata-se de doutrinação e neste caso, ao contrário, à direita e acompanhada muitas vezes do ensinamento religioso cristão, desconsiderando outras crenças ou mesmo a não-crença.
No Brasil de hoje, se uma pessoa consulta um médico ou um engenheiro e obtém um diagnóstico ou laudo, ela acata sem discutir. Porém, se um cientista das Humanidades apresenta uma análise de conjuntura ou explica um determinado fenômeno, rapidamente é contestado: "Não concordo com isso. É minha opinião!"
O exótico da situação é que esta "opinião" não se sustenta numa argumentação sólida. Alias, os debates sobre educação no Brasil são conduzidos e as decisões tomadas por pessoas que não são especialistas da área(políticos que nunca exerceram a docência ou sem qualquer formação acadêmica relacionada à pedagogia), fazendo da educação uma espécie de "terra de ninguém" e daí, qualquer um pode falar e fazer qualquer coisa.
Eis a minha questão: qual a legitimidade das Ciências Humanas na atual sociedade brasileira?
Durante o Regime Militar (1964-85), História e Geografia foram plasmadas numa disciplina chamada "Estudos Sociais" e obviamente todas as questões que envolvessem debate ou crítica foram amputadas, transformando seu ensino num vasto processo de memorização factual. Filosofia e Sociologia foram retiradas e no lugar ficaram "Educação Moral e Cívica" e "Organização Social e Política Brasileira". 
A primeira deveria ensinar como o "cidadão brasileiro" deveria se comportar perante sua família e sociedade, enquanto a segunda mostrava como o Regime Militar estava sendo "bom para o Brasil". Em suma, o projeto da "Escola sem Partido" deseja algo semelhante, afinal, na visão de muitos, o papel da escola é preparar o cidadão para o mercado de trabalho, para que seja obediente e sem posicionamento político ou intelectual.
O que não se percebe é a riqueza existente no aprendizado a partir do contraditório, da diversidade e das diferenças dentro de uma sociedade.
Desde 2009, a partir de uma lei federal, Sociologia e Filosofia voltaram a ser obrigatórias nos currículos do ensino público e privado, porque desde a redemocratização em 1985, constavam mas em caráter facultativo. Obviamente, uma notícia importante, mas ainda existe um déficit significativo para suprir a demanda em todo Brasil, sem contar que, não há um planejamento efetivo sobre o que se espera daqueles que cursam licenciaturas e de como a docência pode ser melhorada, além da desgastada discussão salarial.
Já no fim de 2016, no funesto 13 de dezembro (foi em 13/12/1968 que foi imposto o AI-5), o Congresso Nacional aprovou a medida provisória que alterou o currículo do Ensino Médio e mais uma vez, a Educação no Brasil saiu em prejuízo, uma vez que foi feita de modo arbitrário, imposta sem debate com os docentes e estudantes e desmerecendo os formados e especialistas nas áreas, porque permitiu a contratação de "profissionais de notório saber" para lecionar, ao invés de um apoio maior às licenciaturas e melhores condições de trabalho aos docentes.
Nesse ínterim, vários alunos me perguntam se vale a pena cursar a área de Humanas, com tantas mudanças e más notícias. Ou ainda: há futuro sendo docente no Brasil?
Dificuldades, adversidades e tensões fazem parte de qualquer profissão em qualquer área e o que está em jogo é justamente o desdobramento de um processo que pode elitizar ainda mais o ensino no Brasil. Se os jovens não se interessarem pela docência, não buscarem as licenciaturas e fundamentalmente, investirem na sua formação para serem professores, de fato, o elitismo triunfará. No entanto, professores foram e são necessários, independentemente das dificuldades e o que se espera das futuras gerações docentes é o comprometimento com a Educação, defendendo a democratização do acesso ao conhecimento, independentemente das condições socioeconômicas dos estudantes.
Em minha modesta opinião, sim é válido o estudo e formação nas Humanidades e a docência não deve ser vista como um martírio, mas como uma forma de luta, de enfrentamento por um país melhor e uma sociedade mais plural e mais justa.

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